segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Gentileza gera Gentileza



A frase pintada nas muretas do viaduto na Avenida Brasil, próximo a zona portuária da cidade do Rio de Janeiro parecia não fazer sentido algum. Em letras grandes e desenhadas em contorno verde e amarelo, o autor se fazia notar mais pelas vestimentas e barbas brancas e pregações do que pelo que queria transmitir. Mas aos poucos, o carioca foi se acostumando com aquele intruso pincelando a cidade e a mensagem ficou gravada na mente e no coração de alguns.

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A frase em si é verdadeira. A própria Bíblia nos ensina para tratarmos as pessoas da mesma maneira que desejamos ser correspondidos. Assim, entendemos que ódio gera ódio, gentileza gera um bom retorno em qualquer área da vida.

Ok. Confesso que tem gente que trata os outros com tanta ignorância que é melhor se afastar da pessoa do que tentar mudar sua rotina. Mas às vezes, uma pequena atitude nossa pode trazer alguém a realidade ou abrir um raio de sol no seu dia a dia. Seja um bom dia, uma saudação, um obrigado, por favor, chamar alguém de amigo, demonstrar interesse pelo problema alheio, compartilhar de um drama, responder com educação. Por que na verdade as pessoas só precisam de bons exemplos para seguir e se tornarem melhores do que são.

Quando trabalhei na CPAD por anos, minha rotina se alternava em responder correspondências e atender telefones. E numa bela manhã, um senhor que morava em outro Estado nos ligou sobre alguns periódicos que não havia recebido. Naquela época estávamos em transição para a era digital e sinceramente... Aquele modelo novo de computação nem se compara com o que usamos hoje. Houve uma mudança na rotina de trabalho e também o atendimento.

O interessante da história é que ele estava tão bravo que ficou gritando comigo no telefone e antes das oito horas da manhã. Prometi que o problema era momentâneo e a situação iria se normalizar em breve. De certa forma ele tinha todas as razões do mundo para se sentir daquele jeito já que o pagamento estava em dia. Então prometi que iria mandar todos os números de revistas que ele não tinha. Mas ele não ouviu uma palavra do que eu havia dito.

O ser humano que havia em mim estava calmo, já que o dia estava apenas começando. E não sei por que razão eu deixei escapar uma risada. Tapei o fone. Mas ele ouviu. Então pensei: Agora ele desliga o telefone na minha cara e liga pra o gerente do departamento... Pedi desculpas, tentei contornar a situação naqueles dez segundos em que o homem ficou mudo. E agora?

- Senhor... Tudo bem? Desculpe o riso, foi sem querer e... Ele respondeu:
- Minha linda! Que risada mais gostosa! Pensei: Aí meu D-us! Mas o homem começou a se desculpar pela maneira que havia me tratado e que aquele riso meu tinha praticamente desintegrado toda a raiva que ele estava sentindo. Respirei profundamente e pedi desculpas de novo e ele mudou o tom de voz e retomamos a conversa sobre os periódicos. Mais quinze minutos ao telefone e éramos “amigos de infância”. Prometi enviar a mercadoria naquele dia mesmo e depois tratei disso pessoalmente para que o tal homem não ficasse no prejuízo. Tudo acabou bem por causa de um sorriso.

É claro que eu não aconselho ninguém que trabalha com Telemarketing a rir do cliente ou trata-lo como se fosse um amigo. Qualquer deslize, por menor que seja, pode lhe custar o emprego. No meu caso foi algo momentâneo, a regra geral de qualquer empresa é tratar o cliente com respeito, chamar de senhor ou senhora, estabelecendo uma distância e sem envolvimentos pessoais.

O certo é que com o passar dos anos, evoluímos! (risos) Até certo grau, é claro! A tecnologia que aproxima as pessoas também afasta. O que nos dá margem para continuar no anonimato de sentimentos resumindo nossa atuação no dia a dia dos outros com apenas uma curtida de link. No máximo uma carinha de alegre ou triste, indeciso ou espantado. E assim nos relacionamos uns com outros via digital.

Mas o que deu origem ao nosso artigo de hoje foi um cumprimento que ouvi entre um passageiro e um motorista de ônibus que não se conheciam:

- ô parceiro! Pode fazer a gentileza de abrir a porta aqui pra mim, por favor?
- Falô chefia! Vai com D-us!
- Obrigado amigo. Um ótimo dia pra você também.

Interessante que tal cumprimento é comum seja no ônibus, entre os ambulantes, no bar da esquina. Existe esse retorno “afetivo” no relacionamento entre pessoas, talvez até para manter a clientela. Nos centros comerciais não é difícil alguém ouvir: Moça bonita não paga! Qual a promoção de hoje amigo? E aí parceiro?  Bom dia, o que vai levar hoje patroa? É cortesia da casa senhora! E assim vai... O nosso dia fica repleto de elogios e contato visual. Por que você vai concordar que não tem nada pior do que ser atendido por alguém de mal humor.


José Datrino, o profeta Gentileza nasceu em 1917 e faleceu em 1996. Cerca de 20 anos atrás!  Você pode ler mais sobre ele aqui. Sua mensagem é bem mais do que meras pichações em muretas. Apesar do seu temperamento (há controvérsias) os 56 painéis pintados por essa figura carioca (paulistana) se tornaram história no Rio e de uma forma ou de outra, parece que alcançaram suas metas no decorrer dos anos. O homem de barba branca queria que sua ideologia mudasse o mundo, desafiando a natureza humana. Se acaso vai conseguir ou não, depende de cada um de nós, mas com certeza ele tentou...


Marion Vaz


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